Para quem não tem muita familiaridade com os termos norte-americanos, “real estate” é um termo muito comumente usado para se referir a propriedades, sejam casas, townhouses ou apartamentos. E não é nenhum segredo que os preços de real estate no Canadá têm subido bastante. Várias notícias são divulgadas semanalmente sobre o assunto aqui no Canadá, e o alvo principal dos jornalistas continua sendo Vancouver, a cidade que tem a fama de possuir os imóveis mais caros do país.
Mas quanto disso é verdadeiro, e até que ponto precisamos nos preocupar? E como a “real estate bubble” pode influenciar os aluguéis?
Antes de mais nada, precisamos entender o que é uma “real estate bubble”. O termo na verdade existe também em português, e é comumente conhecido como “bolha imobiliária”. É o resultado de uma alta nos preços dos imóveis em uma dada região, sendo que essa alta geralmente é causada por fatores como crescimento da economia e aumento do produto interno bruto de um país. O lado negativo disso é que, quando esses estímulos externos acabam, ou quando os imóveis atingem um preço que não é mais sustentável, os preços caem e a economia desanda, por assim dizer.
Então como funciona essa atual “real estate bubble” que está acontecendo no Canadá nos últimos meses, particularmente em Vancouver?
De acordo com o jornal canadense Huffington Post, o mercado imobiliário de Vancouver é o mais caro de todo o Canadá, sendo que os preços dos imóveis em New Brunswick constam como os mais baratos do país. Mesmo assim, a demanda por imóveis continua alta, tanto em Vancouver quanto em outras cidades, e a disponibilidade de imóveis para venda ainda continua a desejar. Por essa razão os especialistas sugerem que os preços não devem baixar tão cedo.
Mas o fenômeno do “real estate bubble” não é novo. De fato, ele já vem acontecendo faz alguns anos, sendo visível principalmente nas cidades de Vancouver, Toronto e Alberta. O Bank of Canada admite que é possível que haja um reajuste nos preços dos imóveis, o que pode vir a afetar famílias mais vulneráveis, tipicamente representadas por jovens adultos com renda estável (mas sem muita previsão de crescimento) e dívidas, principalmente em formato de student loans e mortgages.
Para entendermos esse assunto mais a fundo, vamos ver um pouco como funciona a cultura norte-americana dos empréstimos.
Student loans e Mortgages
No Canadá, assim como nos Estados Unidos, student loans e mortgages são as dívidas mais comuns que os cidadãos possuem, principalmente os jovens adultos recém-saídos das universidades.
No caso dos student loans, ou empréstimos estudantis, tudo começa a fazer sentido quando lembramos que não existem universidades gratuitas no Canadá, e bolsas de estudo, pela sua própria natureza, não estão disponíveis para a grande maioria da população. Sendo assim, é muito comum que os jovens adultos - que, pela própria cultura norte-americana são mais independentes financeiramente dos pais em comparação aos jovens brasileiros - se endividem com loans, ou emprésticos bancários, que caem em uma categoria especial dedicada aos estudos. A ideia por trás é que, ao terminar a faculdade, o estudante poderá então conseguir um bom emprego que lhe permita arcar com as despesas do curso já realizado. Na prática, no entanto, nem sempre é isso o que acontece, e as dívidas acabam se acumulando mais.
Os casos de mortgages são bastante similares. Na cultura norte-americana, raramente uma pessoa irá comprar um imóvel à vista, ou realizar um acordo diretamente com o proprietário ou com a imobiliária para pagamentos mensais, como é comum no Brasil. Por aqui existe o conceito de mortgage, que na verdade funciona de uma maneira muito similar a uma hipoteca. Então basicamente temos um imóvel para o qual o futuro dono faz um depósito inicial. O restante é dividido em valores que devem ser pagos mensalmente, com juros, diretamente para o banco que realizou as negociações do mortgage, de acordo com o histórico de crédito que o cliente possui. Quanto mais o futuro dono pagar referente àquele imóvel, maior será a sua equity sobre aquele imóvel, ou seja, maior será a porcentagem do imóvel que de fato é sua. Mortgages podem ser negociadas de diversas formas, dependendo de cada banco e da renda da família, mas é muito comum que os pagamentos mensais sejam constantes por grandes períodos de tempo, como 25 ou 30 anos.
E com tudo isso estamos geralmente falando a respeito da compra de um primeiro imóvel, realizada por jovens adultos, alguns dos quais ainda possuem dívidas estudantis para pagar. Com salários que não são dos mais altos, porque estamos falando geralmente de recém-graduados, e que raramente têm previsão de aumento em um curto período de tempo. E assim temos o cenário do problema, ou a essência dele.
Os bancos canadenses estão expostos ao mercado imobiliário em Toronto e Vancouver, que, por representarem cerca de um terço das mortgages do mercado imobiliário canadense, têm influência sobre o restante do país também. Se uma quebra nesse mercado acontecer, seja por alta no desemprego ou por qualquer outro motivo econômico, a quantidade de mortgages poderá diminuir, fazendo com que os bancos, por sua vez, sofram com a diminuição de fluxo relacionado a esse fenômeno. Ainda assim, o Bank of Canada sugere que a probabilidade de ocorrer algum problema é baixa.
Como isso influencia a situação de quem aluga?
Por definição, um real estate bubble ocorre quando o aumento dos preços dos imóveis é maior do que o aumento dos aluguéis. Na atual bubble canadense, o maior perigo, digamos assim, é representado na forma de gastos e dívidas, ao invés de ganhos. Dessa forma, quem compra um imóvel hoje está se comprometendo com valores mensais de mortgage, impostos, percentuais que ficam retidos com os brokers, ou agentes imobiliários, além de gastos extras com renovação e reformas. Na hora de alugar o imóvel, caso seja esse o plano, dificilmente o aluguel irá cobrir todos esses custos. Caso o plano seja morar naquele imóvel, os pontos positivos podem ser resumidos pelo fato de que o imóvel será efetivamente seu daqui a 30 anos, porém a um custo muito mais salgado do que seria um pagamento mensal de aluguel. Como um investimento, portanto, não é a melhor escolha.
Para quem aluga, no entanto, não existe necessariamente uma perda de investimento, já que, muito embora o valor gasto com um aluguel não esteja sendo investido, por assim dizer, em uma propriedade, o restante do valor que seria investido em um mortgage pode ser agora liberado para que possa ser investido em outros tipos de recursos, como ações, por exemplo, fazendo com que o ganho de capital do investidor seja de fato maior se comparado à aquisição de um imóvel através de um mortgage - e também levando em conta os gastos extras gerados pelo imóvel em si.
Seguindo essa lógica, as gerações mais novas estão optando por uma alternativa à tradicional aquisição de um imóvel, gerando um fenômeno conhecido popularmente como “the rise of the permanent renter”, ou o surgimento do locatário permanente, segundo a tradução literal. De acordo com uma matéria do jornal Huffington Post, a ideia por trás disso é que as gerações mais novas não se sentem confortáveis com o plano tradicional de criar raízes, tanto para si quanto para o seu dinheiro, através da compra de um imóvel. Com uma economia que caminha em direção a importantes mudanças impulsionadas pelo advento de novas tecnologias, a possibilidade de uma mudança de cidade ou de província (ou mesmo uma mudança de país, em alguns casos) é real para os jovens canadenses, que preferem, em muitos casos, manter sua flexibilidade como locatários, investindo seu dinheiro em outros recursos de forma que, a longo prazo, o seu patrimônio cresça.
Com tudo isso, a conclusão parece lógica, embora ainda seja cedo para afirmar, mesmo para os economistas: a demanda por apartamentos e casas para alugar tem tendência a crescer cada vez mais, enquanto que a disponibilidade desses lugares poderá não acompanhar a demanda. Com uma diferença grande entre oferta e demanda, a regra é que os preços tendam a subir, mas, claro, isso é apenas uma especulação.
Na verdade, de acordo com a mesma matéria do jornal Huffington Post, as cidades canadenses estão investindo na construção de mais imóveis destinados ao aluguel, imóveis estes que não passam pela mão de proprietários, mas são gerenciados diretamente pelas construtoras. Calgary é a cidade que mais está à frente no quesito construção, com 389% a mais de unidades sendo construídas do que a média calculada entre os anos de 1990 e 2014.
Dessa forma, previsões quanto ao mercado imobiliário continuam sendo especulativas. Tudo irá depender de como a bolha imobiliária irá se comportar. Mas há especialistas que dizem que o mercado irá permanecer estável por todo o ano de 2016, sendo que, nesse caso, cabe a cada indivíduo a decisão de alugar ou comprar o seu imóvel.
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